“Lei orçamentária de Minas
Gerais é fraudulenta, e prestação de contas é pior ainda”, denuncia
promotora que entrou com ação de improbidade administrativa contra
Aécio. Tribunal de Justiça negou recurso do ex-governador e processo
contra ele segue na Vara de Fazenda. Aécio é acusado de desviar R$ 3, 5
bilhões do orçamento da saúde, quase metade de tudo que foi investido na
área.
Uma norma federal, chamada de Emenda 29,
aprovada no ano 2000, determina que todos os estados do Brasil devem
aplicar 12% do seu orçamento, que vem da arrecadação de impostos, em
serviços de saúde. A Emenda determina ainda que os estados – e os
municípios – teriam até o ano de 2004 para se adaptar à nova regra.
Não deveria ser uma norma tão difícil de
ser colocada em prática. Afinal, qualquer administrador público sabe – e
defende isso em suas campanhas – a centralidade que a saúde ocupa para
garantir boas condições de vida para a população. Não é muito a se
esperar de quem opera a máquina estatal o investimento em postos de
saúde, contratação de pessoal, saneamento básico, prevenção de doenças e
epidemias. Afinal, se saúde, educação, moradia não forem o centro dos
investimentos públicos, o que será?
Apesar de ser lei, o Governo de Minas
Gerais, dos anos de 2003 a 2008, não cumpriu essa norma básica. E pior:
colocou na sua prestação de contas o investimento de R$ 3, 5 bilhões em
saúde na conta da Copasa, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais,
como forma de maquiar o orçamento e fingir que tinha feito todo o
investimento necessário. Isso é o que sustenta ação de improbidade
administrativa movida pelo Ministério Público Estadual, de dezembro de
2010.
A promotora de Justiça de Defesa da
Saúde, Josely Ramos Pontes, explica que foi feita uma fraude contábil,
ou seja, foi contada uma mentira, para fechar as contas. “Enganaram os
órgãos de fiscalização e a população o tempo inteiro”, denuncia. A
partir do entendimento que a prestação de contas estava equivocada, pois
contavam investimentos que nunca teriam acontecido, o MP entrou com a
ação contra a contadora-geral do Estado, Maria da Conceição Barros
Rezende, e o então governador Aécio Neves, que assina junto com ela o
documento oficial de prestação de contas.
Neste mês, o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais não aceitou os termos de defesa dos réus. Os
desembargadores entenderam que cabia sim ao MP entrar com a ação, pois
Aécio não era mais governador no período (a ação começou a correr em
dezembro de 2010). Mais importante que isso, reconheceram que a denúncia
do MP estava correta, e que não foram investidos os 12% constitucionais
previstos para a saúde. Consideraram que que há indicativos
“suficientes” que as pessoas indiciadas cometeram mesmo o desvio, lesivo
para o estado de Minas Gerais.
De forma unânime, os magistrados
concluem que não houve transferência de recursos para a Copasa, como
tentava justificar o ex-governador, “não passando de artifício (fraude
contábil, segundo o autor da ação) utilizado pela Contadora-Geral do
Estado, com o aval do Governador do Estado”. Isso quer dizer que eles
concordam com a denúncia que quase 50% do financiamento da saúde se
perdeu em alguma manobra criada pelos gestores do Estado. Esse dinheiro,
então, nunca chegou à sua destinação, ou seja, serviços para a
população de Minas Gerais.
Eles apontam ainda a gravidade dessa
lesão ao estado, pois o recurso deveria ser destinado para “reduzir
doenças, possibilitar o acesso universal e igualitário a todos, como
forma de inclusão social e preservação do direito fundamental que é a
saúde, uma das razões de ser do Estado e fundamento da República”.
A promotora Josely Ramos, que ficou dois
anos preparando a ação, ou seja, juntou todas as informações possíveis
para comprovar a denúncia, garante que esse recurso não existia na
Copasa. Segundo a promotora, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM)
demonstrou que não havia esse aporte bilionário na empresa, que
certamente faria diferença para seus investidores privados. A
Advocacia-Geral da União (AGU) também comprovou que esse recurso não
chegou à Copasa e, por fim, a própria empresa nega que tenha existido
esses R$ 3,5 bilhões em seus balanços.
Investimentos e demandas
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores
nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de
Esgoto no Estado de Minas Gerais (Sindágua/MG), os investimentos da
Copasa nos últimos anos não ultrapassa a casa de R$ 900 milhões por ano.
Em 2008, por exemplo, foram investidos R$ 805 milhões no estado.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE,
de 2008, Minas Gerais ficou abaixo da média nacional em número de
municípios com tratamento de esgoto: 22,7%, contra 28,5 da média
nacional ou os 78,4% do estado de São Paulo.
Mas há ainda outras demandas. Segundo o Sistema Estadual de Informações sobre Saneamento (Seis),
da Fundação João Pinheiro, referente aos anos de 2008 e 2009, em 53
sedes municipais do estado as pessoas recebem água sem qualquer tipo de
tratamento. A pesquisa mostra ainda que 32% da população do estado não
era ainda atendida pela rede de esgotamento sanitário. E dos 68,2%
atendidos, há variações consideráveis entre os municípios e regiões.
Esgoto tratado, então, está ausente em mais de 75% dos municípios
mineiros.
Os dados se referem a anos posteriores
ao suposto investimento de R$ 3,5 bilhões da Copasa em obras para
saneamento. Para um dimensão do que o montante poderia significar, o
Governo de Minas Gerais anunciou neste ano o investimento de R$ 100
milhões no “Projeto Estruturador Saneamento de Minas”, para executar
obras de saneamento básico na zona rural do estado. Esse recurso será
investido até 2014.
O presidente do Sindicato dos
Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG), Renato Barros,
aponta que o desvio pode ser ainda maior. Pelas contas do Sindicato, ao
menos R$ 1 bilhão foi desviado por ano da saúde, o que daria seis
bilhões que não foram investidos. “Entra na conta recursos investidos na
previdência do servidor, dos militares. É uma ação de lesa-pátria, e
quem paga é o povo mineiro”, destaca.
Próximos passos
Com a decisão do Tribunal de Justiça, o
processo segue em tramitação na 5ª Vara de Fazenda. “O recurso dos réus
foi negado, em uma decisão muito contundente do TJ. O processo não
parou, pedi o depoimento da Contadora-Geral do Estado, que, até agora,
não prestou todas as informações. Vai ser feita também uma perícia
contábil, que não deve demorar muito, pois já foi feita para a
constituição da ação. A fase mais complicada do processo se encerra
agora. Creio que até o final do ano já esteja pronto para julgamento”,
defende Josely.
Caso sejam condenados, as penas para os
réus – Aécio Neves e Maria da Conceição Barros Rezende – podem incluir
pagamento de multa e perda dos direitos políticos.
Josely explica ainda que essa simulação
utilizada pelo governo não deixou de acontecer. Ela está preparando uma
outra ação, desta vez investigando o período de 2008 a 2001, contra o
governador Antonio Anastasia, que também não aplica o mínimo exigido na
saúde de Minas Gerais.
Renato Barros, presidente do
Sindi-Saúde, afirma que o sindicato também vem acompanhado os valores de
aplicação da saúde, para averiguar se a Emenda 29 vem sendo cumprida.
“Para nós como cidadãos e como trabalhadores em exercício da função
pública, é um dever saber se está sendo cumprido o que determina a
Constituição. Queremos que seja apurado o caso e responsabilizados os
responsáveis pelo desvio. A pressão da sociedade vai fazer com que essas
ações tenham agilidade para que sejam punidos os responsáveis e para
que não ocorram fatos similares”, defende.
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