O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o diretor de
Política Econômica da instituição, Carlos Hamilton Araújo, são dois
técnicos excelentes, de reconhecida credibilidade. Nos últimos meses,
porém, eles têm jogado boa parte desse capital fora, ao aceitarem ser
submetidos a um processo de desmoralização em praça pública. Mesmo
incomodados com o atual nível da inflação — próximo do alarmante —,
simplesmente se mostram impotentes para tomar as devidas providências
porque o comando do BC está hoje nas mão da presidente Dilma Rousseff.
Técnicos do Banco Central muito próximos de Tombini e Hamilton são
unânimes em dizer que, em tempos de normalidade, de prevalência da
autonomia da autoridade monetária, dificilmente a taxa básica de juros
(Selic) não teria subido ante às informações concretas de que a inflação
vai estourar o teto da meta de 6,5% definido pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN). Nas contas do BC, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) atingirá 6,7% entre abril e junho. Mas não há nenhum sinal de
ação concreta do Comitê de Política Monetária (Copom) para botar o custo
de vida nos eixos.
“Tombini e Hamilton estão de mãos atadas”, diz um dos técnicos ouvidos
pela coluna. A impressão que se tem dentro do BC é de que os dois só
não abandonaram o barco para não serem chamados de covardes. Mais que
isso: temem abrirem uma crise no governo e, pior, permitirem que um
grupo mais heterodoxo assuma cargos estratégicos na instituição,
provocando mais estragos na economia do que se vê hoje. “Portanto, tanto
o presidente quanto diretor de Política Econômica vão manter o discurso
de que os juros são o melhor remédio para controlar a inflação, mas não
vão agir sem que Dilma lhes dê aval. A submissão do BC ao Palácio do
Planalto nunca foi tão evidente”, acrescenta o técnico.
Num BC mergulhado em frustração, a ordem é desconstruir o discurso do
Planalto e do Ministério da Fazenda de que os defensores da alta dos
juros são a favor de banqueiros e de investidores ávidos por engordarem
suas fortunas. “Isso é uma bobagem”, ressalta um outro funcionário do
Banco Central de grande credibilidade entre os colegas. Para constatar o
perigo da inflação, basta ver um quadro elaborado pelo BC. A inflação
vai estourar o teto da meta muito em breve, vai cair um pouco até o fim
do ano que vem (5,3%), mas voltará a subir em 2015, que poderá ser o
primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma. Ou seja, a inflação
continuará corroendo o poder de compra dos trabalhadores.
Desconfiança
O diagnóstico real, para alguns dos auxiliares de Tombini e de
Hamilton, é de que o quadro atual da inflação beira o descontrole: 75%
das 365 categorias de preços e serviços medidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontaram alta em março. E
não é só: mais de 30% dos itens auferidos apontaram reajuste superior a
10%. Diante desses números, que comprovam a disseminação dos aumentos,
fica fácil constatar que o país está diante de uma situação que exige
uma postura mais dura do Copom. Mas, infelizmente, não temos um BC
independente para fazer o que precisa ser feito.
Diante desse retrato desanimador, a percepção em relação ao país só
tende a piorar. No exterior, é visível a desconfiança em relação à
capacidade do governo de retomar o controle da inflação sem aumentar os
juros e, por tabela, estimular o crescimento econômico. Entre os países
emergentes, índices que medem a credibilidade do Brasil, como o CDS
(Credit Default Swap), mostram resultados inferiores apenas aos da
Argentina, que está prestes a dar um novo calote em sua dívida externa.
No país, os empresários também andam ressabiados com a disparada dos
preços e a forte elevação dos custos de produção. É verdade que nem
todos suspenderam os investimentos,
pois reconhecem o potencial do Brasil, que independe das ações do
presidente de plantão. Mas os desembolsos estão longe de movimentar o
Produto Interno Bruto (PIB), que, em 2012, avançou apenas 0,9% e, neste
ano, pode crescer menos do que 3%.
Herança maldita
Com os motes da campanha à reeleição de Dilma Rousseff nas ruas —
juros baixos, energia barata e desoneração da cesta básica —, só restará
aos diretores do Banco Central contar com muita sorte para que a
inflação realmente caia nos próximos meses e o atual modelo de política
econômica, baseado no consumo das famílias, não exploda. A tentativa de
Tombini de administrar as expectativas do mercado apenas no gogó se
esgotou, como se viu na semana passada, quando ele tentou explicar o
inexplicável. Ou seja, dizer que a presidente Dilma não disse o que ela
afirmou em alto e bom som: “Eu não concordo com políticas de combate à
inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico”.
Sendo assim, é bom o Palácio do Planalto se preparar. Quando 2015
chegar, a presidente reeleita não poderá alegar que lhe foi entregue uma
herança maldita. Tudo de ruim que vier a enfrentar será culpa
exclusivamente dela.
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